(*) José Pastore e José Eduardo G. Pastore –
Participamos, na semana passada, em Brasília, da 1.ª Conferência Nacional sobre Emprego e Trabalho Decente. O evento, de formato tripartite, ficou inconcluso por causa de um desentendimento entre a bancada dos empregadores e a do governo quanto ao respeito às regras do Regulamento e do Regimento previamente aprovados pelas partes.
Até o ponto em que funcionou, a conferência exibiu uma dinâmica intrigante. Apesar de todos idolatrarem a livre negociação, as bancadas dos empregados e do governo, unidas, aprovaram um turbilhão de propostas com vistas a aprofundar a regulação do trabalho pela via da legislação, como, por exemplo, a repartição dos ganhos de produtividade por força de lei – um absurdo.
Propostas desse tipo, se aprovadas em instância final, reduzirão ainda mais o já exíguo espaço de negociação, que, convenhamos, se tornou uma verdadeira miragem. Sim, porque os poderes públicos, sem a menor cerimônia, interferem e mudam o que é livremente negociado pelas partes. É isto mesmo: volta e meia, a Justiça do Trabalho anula cláusulas de acordos e convenções coletivas, afrontando a Constituição federal, que no artigo 7.º, inciso XXVI, diz que os acordos e as convenções coletivas têm de ser respeitados.
Na visão de muitos magistrados, assim como de procuradores e auditores do trabalho, as decisões das partes devem ser avaliadas à luz de enunciados gerais, como, por exemplo, os princípios da dignidade humana, da prevalência dos direitos humanos, da proteção da saúde e outros.
Dada a alta subjetividade desses princípios, ninguém sabe se o que é negociado hoje valerá amanhã. Segurança jurídica vira sonho de noite de verão. Exemplo: ao examinar um acordo que reduz o horário de almoço para 30 minutos em benefício de uma jornada mais curta, muitos magistrados acham que isso contraria o princípio da proteção à saúde dos empregados e anulam decisões exaustivamente negociadas pelas partes e pelos sindicatos.
O princípio da dignidade humana pode justificar tudo. Quando empregados e empregadores, por negociação, fixam metas de produção para orientar a distribuição de lucros ou resultados, muitas vezes são surpreendidos com reclamações trabalhistas alegando que as referidas metas representam formas de assédio. Ações desse tipo deságuam em milionárias indenizações por dano moral. A interferência ocorre em todos os campos. Há magistrados que impõem pagamentos obrigatórios a título da participação nos lucros ou resultados, que é voluntária. Este espaço é insuficiente para mais exemplos.
Os casos que chegam aos tribunais do trabalho, em sua maioria, são de más condutas – e elas existem mesmo! -, mas eles não podem ser tomados como paradigmas para adicionar dificuldades à vida dos que acreditam e cultivam a livre negociação.
Vai aqui um alerta. As relações do trabalho no Brasil estão sendo submetidas a duas forças de engessamento crescente: de um lado, a rigidez das leis, decretos e portarias e, de outro, a exorbitante interferência dos poderes públicos nas matérias negociadas. Isso vai na contramão da agilidade e da versatilidade que são essenciais para investir, concorrer e crescer nos dias atuais. Convém pensar no futuro, porque esse engessamento pode nos levar à destruição da segurança jurídica e ao travamento total das atividades econômicas. Os nossos concorrentes não estão parados e, ao tempo em que cultivam a mesma democracia que nós, brasileiros, desejamos, simplificam as normas rígidas, valorizam a negociação e limitam a ação dos magistrados ao julgamento de conflitos de direito com base em leis específicas, e não em princípios gerais e imprevisíveis.
(*) José Pastore é professor de relações do trabalho da FEA-USP, membro da Academia Paulista de Letras e Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio ([email protected])
(*) José Eduardo Gibello Pastore, mestre em Direito das relações sociais PUC/SP. É advogado trabalhista ([email protected])