(*) Percival Puggina –
“Não se fazem omeletes sem quebrar ovos” é um conhecido provérbio português de muita conveniência e larga aplicação em todo exercício delinquente do poder. Ele pretende, cinicamente, justificar a “necessidade” de fazer o mal. Assim, quebravam ovos os que, nos anos 60 e 70 do século passado, se valiam da tortura e abusavam da violência institucionalizada. Quebravam ovos os guerrilheiros e terroristas que, além de executar opositores e traidores, explodiam bombas, sequestravam personalidades, assaltavam joalherias, bancos e residências. O êxito da “causa” era a grande omelete que a história serviria aos vitoriosos nas luzidias baixelas do poder. Em nome dela consideravam legítimo meter um revólver na cara do caixa do banco. Muitos viveram, desse modo, décadas inteiras. A serviço da causa. E às custas de ovos alheios.
Trinta anos depois, a democracia – ora vejam só! – entregou serenamente o poder aos quebradores de ovos derrotados pelas armas naqueles tempos loucos. Foi um toma lá sem qualquer dá cá. Tudo free. Os minuciosos relatos que se sucedem nos últimos meses, reportando-se, vários deles, aos primeiros movimentos dos novos mandatários, ainda em 2002, revelam uma firme disposição de continuarem quebrando ovos como forma, já então, de preservar o poder conquistado. O mensalão exigiu jornada dupla de trabalho no galinheiro. O financiamento de campanhas eleitorais, partidárias e pessoais não deixou por menos. A profecia de José Dirceu – ou terá sido Zaratustra? -, segundo a qual “o PT governará o país por pelo menos vinte anos”, exigia a quebradeira. Quem não entender isso não entenderá patavina do que aconteceu e do que vem por aí.
Não entenderá, por exemplo, como foi que a palavra “malfeitos” entrou no vocabulário nacional e foi adotada por parcela da imprensa, expulsando a expressão “atos de corrupção”. Acontece que “malfeitos” soa como traquinagem de adultos, gente boa mas leviana. É muito menos nociva do que formação de quadrilha ou corrupção. Também na imprensa há quem quebre ovos da informação para o bem da causa.
Tem chamado atenção a vigorosa blindagem proporcionada ao ex-presidente Lula, suas persistentes negativas, e o furioso enfrentamento que seu partido trava ante o STF, a mídia e o jornalismo independente. Somam-se tenebrosas ameaças de regular a atividade da imprensa – o chamado marco regulatório – e agendam-se vigorosas manifestações em favor de José Dirceu e outras lideranças. É o povo nas ruas? Não. Claro que não. Não se confunda povo com militantes. O povo não está para essas coisas. Homens e mulheres do povo estão ocupados com seus afazeres, com suas famílias. Os estudantes do povo estudam. Os agricultores do povo plantam e velam por suas colheitas. Só os militantes é que se arregimentam ao estalar de dedos do comando político, até mesmo para coisas tão abomináveis quanto defender meliantes.
Exagero? Não. Exagerada foi a quebradeira de ovos. Demasiada é a incoerência do ministro Gilberto Carvalho desqualificando as denúncias de Marcos Valério por provirem de alguém condenado a 40 anos de prisão. Mas que diabos, para quem trabalhava o careca? Não é o partido do ministro e o próprio Lula que afirmam não haver ocorrido crime algum? Então, para vocês, Gilberto Carvalho, o publicitário Marcos Valério é inocente como bebê de berçário! Será preciso, também, quebrar os ovos da nossa paciência e da lógica mais elementar?
(*) Percival Puggina, gaúcho de Santana do Livramento, é professor, arquiteto, escritor e conferencista.