Comentaristas na TV em extinção

José Nêumanne Pinto –

jose_neumanne_17Qual a hipótese mais grave e preocupante que teria motivado a demissão de três comentaristas que atuavam nos noticiários do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) – Denise Campos de Toledo, Carlos Chagas e eu –, comunicada aos três na sexta-feira, 7 de fevereiro: a oficial ou a paralela? O diretor de jornalismo da empresa, Marcelo Parada, me comunicou que um tal “comitê de programação” da emissora havia decidido extirpar a opinião dos telejornais da casa em nome do primado da notícia. Numa versão aparentemente mais técnica, que circulou em textos divulgados em redes sociais por blogueiros simpáticos à causa, os comentários em questão prejudicavam a “dinâmica” dos noticiários. A versão oficiosa, negada pelos mesmos blogueiros, era mais apimentada: nenhuma pessoa sensata apostaria um centavo na minha sobrevivência na emissora desde que Parada assumiu a direção. Não é secreta para ninguém sua notória parceria com o presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Rui Falcão, que não deve ser um admirador muito fanático da independência absoluta que sempre tive no SBT nas três vezes em que comentei assuntos políticos por lá. Da mesma forma, tinha sido amplamente noticiada a generosidade com que a cúpula petista tratou o momentoso episódio da falência do Banco Panamericano, empresa do grupo Sílvio Santos. Teria sido, enfim, concluída a crônica de minha demissão anunciada?

Bem, fofocas não pagam dívida e a resposta a essa questão só pode ser dada com fatos. Vamos a eles. Fui nomeado três vezes comentarista do SBT por Sílvio Santos, que me disse admirar a forma sucinta e simples com que explico a meus ouvintes da Pan intrincados assuntos da política. Minha primeira passagem terminou quando Boris Casoy foi para a Record e o patrão exterminou o departamento de jornalismo. A segunda teve fim com a contratação de Ana Paula Padrão, que mandou Luiz Gonzaga Mineiro me demitir do jornal ancorado por Hermano Henning, com o qual ela nada tinha a ver, mas faz tempo que desisti de entender esse tipo de falta de senso de loção, como dizia minha tia louca. Desta vez, apesar de não ser um veterano da casa, Parada cumpriu todos os rituais da crueldade e da deselegância na demissão dos três profissionais com currículos que mereciam dele mais respeito. De sua sala fui levado pela secretária para o RH que me comunicou o encerramento do contrato com o pagamento dos sete dias de trabalho de fevereiro. Bem, isso também faz parte da rotina.

A descortesia a que me refiro é outra e tem história. Nem Parada nem seu segundo, Ricardo Melo, fizeram durante esta minha terceira passagem pelo SBT NENHUM reparo a algum comentário de minha lavra – nem contra, nem a favor, nem muito pelo contrário. Na verdade, nenhum dos dois jamais me deu uma orientação ou algum aviso. Melo se abstinha desse dever elementar de qualquer chefe de redação alegando que eu era livre para dizer o que quisesse. Dizia respeitar minha livre expressão, conquista da democracia burguesa que ele, como leal trotskista, desprezava. Tudo bem. Também está no jogo.

Agora tomo conhecimento por interpostas pessoas que fazem fofoca em redes sociais que desde outubro eu já estava fora do SBT Brasil, “carro-chefe” do jornalismo da casa. Uma vez, interpelei Melo (por uma questão de hierarquia e também pelo fato de que era mais comum encontrá-lo na redação do que me deparar lá com Parada) a respeito. E ele me deu uma resposta satisfatória: “Sílvio lhe paga salário e você grava. E me paga para decidir se seu comentário entra ou não no jornal”. Achei a explicação razoável e nunca mais me preocupei em conferir se o comentário que eu gravava tinha sido editado no telejornal do horário nobre, ou não. Não era tão importante: nunca deixou de ir ao ar nenhum comentário que eu tivesse gravado para o Jornal do SBT e para o Jornal do SBT Manhã. E era isso que produzia a imensa satisfação de ser apoiado e elogiado por gente simples: garçons, porteiros, manobristas… Na certa, foi também isso que decidiu a escolha feita pelo público em pesquisa da Abril Educação que planejou cursos em parceria com o SBT e escalou os três profissionais do elenco da emissora considerados de maior credibilidade pelo público: Ratinho, Celso Portioli e eu. O projeto não prosperou, mas duvido que tenha sido por minha causa ou dos dois queridos companheiros citados junto comigo.

Dito isso, concluo garantindo que não acredito que Parada tenha sido desrespeitoso com profissionais do quilate de Carlos Nascimento e Hermano Henning, que sempre usaram meus comentários, ao desprezar o fato chamando a atenção para minha ausência no noticiário apresentado também por minha conterrânea Rachel Sheherazade e meu companheiro na Pan Joseval Peixoto. Ele não deve ter feito isso.

Ainda que saiba que meus comentários não agradam a cúpula do PT, também não acredito que minha saída se deva a uma pressão sobre o companheiro diretor, mesmo porque Denise e Chagas nada têm que ver com minha ousada impertinência de todo dia. Se minhas críticas obstinadas tivessem algum peso eleitoral, Lula não teria sido eleito duas vezes nem Dilma teria derrotado José Serra, embora eu também não costume ser condescendente com esses tucanos de alto plumagem.

Além do mais, a meu ver, o histórico de imprudências de Parada não inclui a possibilidade de negar a teoria oficial do fim dos comentários substituindo minha presença no dia-a-dia por algum comentarista mais domesticado de acordo com o gosto dos companheiros. Seria uma confissão de culpa imperdoável. Seria também muito menos grave do que de fato deve ter ocorrido.

Acredito piamente e lamento mais ainda que ele não tenha mentido: o que fez foi mesmo substituir comentários por mais notícias. Em vez de um sujeito pernóstico deitando regras, o atual SBT prefere mostrar o flagrante da morte do frentista, o bebê que está bombando na Internet ou o macaquinho dançarino. Não me sinto vítima de nenhum tipo de retaliação nem mártir do jornalismo opinativo na TV. Infelizmente, sou apenas o representante de uma espécie em extinção: a do jornalista que tem opinião e por isso, goza de credibilidade. Em vez de rojões disparados por black blocs, Denise, Chagas e eu estamos sendo vitimados pela mordaça imposta em nome da prioridade da informação.

(*) José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor.