Palocci e Íris Rezende: histórias políticas distintas, mas unidas pelas confusões da mesma empreiteira

Recordar é viver – Engana-se quem pensa que a empreiteira Leão & Leão é uma pedra apenas do sapato de Íris Rezende Machado, ex-prefeito de Goiânia, que teria recebido da empresa R$ 300 mil como doação para a campanha rumo ao governo de Goiás. Para quem não se recorda, a Leão & Leão esteve no olho do furacão de um escândalo que envolveu o atual ministro Antonio Palocci Filho (Casa Civil) e o advogado Rogério Buratti.

Em seu depoimento aos integrantes da CPI dos Bingos, Buratti afirmou com todas as letras que enquanto esteve prefeito de Ribeirão Preto, Palocci Filho recebeu mensalmente R$ 50 mil da Leão & Leão, que à época tinha contrato de coleta de lixo com a prefeitura da próspera cidade do interior paulista. Não obstante, Palocci se empenhou para que um consórcio formado entre a empreiteira Leão & Leão e a portuguesa Somague ganhasse a concessão do trecho da rodovia que leva a Ribeirão Preto.

À época, o principal acionista da Somague era o Banco Mello, comprado tempos depois pelo Banco Comercial Português e rebatizado como BCP Millenium. E a dupla Marcos Valério–Delúbio Soares, principal operadora do chamado “mensalão do PT”, pode ter se valido da proximidade petista com o banco. Coincidência ou não, a Caixa Econômica Federal fechou um acordo, tempos depois, com o BCP Millenium para receber remessas de dinheiro de brasileiros na Europa.

Quando o nome de Rogério Buratti surgiu no primeiro escândalo de corrupção da era Lula, que alvejou o ex-assessor Waldomiro Diniz, o ucho.info divulgou fatos importantes relacionados ao ex-secretário do então prefeito de Ribeirão Preto, Antonio Palocci Filho. Na ocasião, Palocci declarou que não falava com Buratti tinha dez anos, mas que o encontrara algumas vezes em salas de embarque de aeroportos brasileiros. A quebra do sigilo telefônico de Buratti mostrou que o então ministro da Fazenda mentiu. Palocci encontrou com o ex-assessor em 2002, pois ambos respondem a um processo na 5ª Vara Cível de Ribeirão Preto por tráfico de influências. No mesmo ano, Palocci e Buratti estiveram juntos por ocasião da assinatura de contratos entre a prefeitura de Ribeirão Preto e a Leão & Leão.

Em 25 de março de 2004, este site deu destaque ao depoimento de uma garota de programa de Brasília, que afirmou ter visto o ministro Antonio Palocci Filho pelo menos três vezes na casa de Rogério Buratti, no Lago Sul, palco de festas de embalo com autoridades e mulheres dadivosas aos bolhões. Para completar a tragédia petista, Rogério Buratti, em 1987, foi assessor de José Dirceu, então deputado estadual por São Paulo.

Em 14 de outubro de 2008, o Supremo Tribunal Federal rejeitou os recursos impetrados por Antônio Palocci Filho e pelos sócios da empresa Leão & Leão – Luiz Cláudio Ferreira Leão e Carlos Alberto Ferreira Leão – contra decisão da Corte que desmembrou o Inquérito (INQ 2443), que investiga o escândalo que ficou conhecido como a máfia do lixo de Ribeirão Preto. O Plenário do STF decidiu, em 1º de julho daquele ano, que somente a parte do inquérito referente a Palocci Filho tramitaria na mais alta Corte da Justiça, uma vez que como parlamentar o petista tinha direito a foro privilegiado. O ex-ministro da Fazenda foi investigado pelos crimes de formação de quadrilha, falsificação de documento público e lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores, enquanto prefeito de Ribeirão Preto. Com a decisão do STF, os outros indiciados, donos da Leão & Leão, responderam ao processo na Justiça comum.

Quando Rogério Buratti apontou a metralhadora verborrágica na direção de Antônio Palocci, então ministro da Fazenda, muitos dos integrantes da CPI dos Bingos ficaram sem saber a razão do contundente e revelador ataque. Simples, porém verdadeira, a cafetina Jeany Mary Corner esbanjou disposição para revelar o que sabia e ainda sabe. Dona de uma agenda altamente comprometedora, Jeany declarou que Rogério Buratti teria se “casado” com uma de suas “meninas”, Carla, a qual lhe foi apresentada por Antonio Palocci. Predileta de Palocci, Carla passou a viver em um belo e confortável apartamento no bairro de Lourdes, em Belo Horizonte, presente do ex-secretário municipal de Ribeirão Preto [Buratti]. Com o passar do tempo, Jeany acabou conquistando a confiança do ministro da Fazenda, tendo, por conta disso, intermediado negócios, carregado “malas” e pago inúmeras contas.

Uma das muitas afirmações de Jeany Mary Corner coincidiu com o conteúdo dos grampos telefônicos realizados pela Polícia Federal, em Ribeirão Preto. Segundo a cafetina, ela teria presenciado as negociações para a compra de um “banco”, que, de acordo com a PF, seria uma destilaria de álcool e uma casa de saúde no interior de São Paulo, registradas em nome de parentes de Antonio Palocci, segundo as investigações. Jeany declarou também que criou para Palocci e Buratti um sistema de pagamento do “mensalão”, no qual mulheres de programa iam ao encontro de políticos envolvidos no criminoso esquema de corrupção petista, a quem entregavam uma revista com dinheiro dentro (normalmente dólares), não sem antes oferecerem seus dotes físicos. No auge do “mensalão”, a República quase caiu por conta de um bordel.

E o cipoal de coincidências envolvendo a Leão & Leão não para por aí. Depois que explodiu o caso do corajoso Francenildo Costa, o caseiro Nildo, que acusou Palocci de participar de reuniões nada ortodoxas na casa do Lago Sul que ficou conhecida como “República de Ribeirão Preto”, as forças ocultas entraram em cena. Certa feita, um depoimento do caseiro Nildo à CPI foi suspenso com base em liminar concedida pelo ministro Cezar Peluso, atual presidente do STF. Por ocasião dos fatos, três dos cinco assessores de Peluso tinham deixado recentemente o escritório de advocacia Brasil Salomão, com sede em Ribeirão Preto, que tem na lista de clientes a empreiteira Leão & Leão, uma das maiores doadoras da campanha de Antonio Palocci Filho à prefeitura da cidade paulista. Em função das denúncias, a Leão & Leão fez de Rogério Buratti o elo entre a empresa e a prefeitura ribeirão-pretana.

O retrospecto da recente história política nacional serve para mostrar que, se comprovada a culpa de Íris Rezende, o imbróglio envolvendo o ex-prefeito de Goiânia é digno de um juizado de pequenas causas.