‘Kurzarbeit’ – o emprego durante as crises

(*) José Pastore –

(Foto: Marcos Alves - O Globo)
A perda do emprego é devastadora para os trabalhadores, que ficam sem renda; para as empresas, que ficam sem os seus empregados; e para o governo, que gasta muito com o seguro-desemprego. Por essas razões, os países avançados têm políticas específicas para manter os empregos e evitar o desemprego nos momentos de crise. Na Alemanha, a jornada reduzida (Kurzarbeit) foi criada com esse fim.

Como isso funciona? Quando uma empresa tem forte redução da demanda a ponto de precisar despedir trabalhadores, o empregador e a comissão de empregados analisam a situação e, havendo concordância, comunicam o Ministério do Trabalho que reduzirão a jornada e o salário durante certo período.

Nesse regime, a empresa remunera o tempo trabalhado e o governo remunera o tempo não trabalhado na base de 60% do salário. No caso de empregados casados e com no mínimo um filho, o porcentual sobe para 67%.

A medida é de uso voluntário e tem pouca burocracia. Ao adotar a jornada reduzida, a empresa paga as duas parcelas indicadas, mas em menos de 30 dias recebe a restituição da segunda parcela (referente ao tempo não trabalhado).

Os encargos sociais na Alemanha são de 42% sobre o salário, cabendo 21% para o empregador e 21% para o empregado. Na jornada reduzida, a empresa e o empregado recolhem os respectivos encargos sociais (21%) sobre o valor da primeira parcela (referente ao tempo trabalhado). Quanto à parcela do salário referente ao tempo não trabalhado, a empresa paga a sua parte dos encargos sociais e também a do empregado, no total de 42%.

Vejamos um exemplo. Suponhamos que um empregado ganhe 1 mil por mês. Com os encargos sociais, esse empregado custaria 1.210 por mês. Admitamos que a empresa tenha uma forte redução de demanda e acerte com a comissão de empregados de reduzir a jornada em 50% durante algum tempo. Sendo solteiro, o empregado receberá 500 pelo trabalho realizado e 300 pelo não realizado (60% de 500). A empresa recolherá 105 (21% sobre 500), mais 126 sobre o salário pago pelo trabalho não realizado (42% sobre 300). Ao comunicar o expediente ao Ministério do Trabalho, a empresa receberá uma restituição no valor de 300.

Ou seja, durante a vigência da jornada reduzida, a empresa gastará 500 + 105 + 126 = 731. Há, assim, uma economia de 479 (1.210 – 731). Nesse exemplo, a empresa reduz as despesas salariais em aproximadamente 40% e a jornada, em 50%.

Além de aliviar suas finanças, a empresa tem a vantagem de ficar com os mesmos empregados, evitando altas despesas de recontratação e treinamento de outros trabalhadores na retomada da demanda. Vale notar ser de interesse da empresa e dos empregados voltarem o mais depressa possível à jornada normal. Todos ganham mais nesse regime.

A jornada reduzida foi largamente utilizada na crise de 2008-2009, tendo coberto cerca de 1,4 milhão de empregados a um custo de 4,5 bilhões – muito menos do que o país gastaria se tivesse de bancar o seguro-desemprego para todo esse grupo.

Em resumo, o governou poupou, a empresa reteve os empregados e estes preservaram seus empregos. Isso explica em grande parte por que a Alemanha atravessou aquele período com uma taxa de desemprego ao redor de 7%, enquanto vários países da Europa amargaram taxas superiores a 10% – na Espanha, mais de 20%.

A medida é particularmente usada por empresas que têm profissionais altamente qualificados, em geral grandes indústrias, mas está aberta a todos os setores. Os recursos indicados vieram do fundo do seguro-desemprego, que é custeado por 3% da folha de salários, cabendo 1,5% para os empregadores e 1,5% para os empregados.

Acho que vale a pena estudar a adoção dessa medida no Brasil para preservar os empregos e evitar o desemprego.

(*) José Pastore é professor de relações do trabalho da FEA-USP, membro da Academia Paulista de Letras e Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio. (www.josepastore.com.br)