Tribunais não podem excluir juros ao pagar precatórios

(*) Alessandro Cristo, do Conjur –

Os tribunais brasileiros não podem recalcular o valor de precatórios pendentes de pagamento excluindo juros moratórios e compensatórios. O valor integral deve ser pago por força da decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.098, julgada em 1996. Foi o que disse o ministro Dias Toffoli, do STF, ao decidir monocraticamente uma Reclamação contra o Tribunal de Justiça de São Paulo. Segundo um credor, a corte paulista, em decisão administrativa, acabou desconstituindo decisão em execução transitada em julgado, excluindo os juros do valor do precatório e tornando seu detentor devedor da Prefeitura.

A decisão do ministro Dias Toffoli foi publicada no dia 22 de novembro. Ele analisou reclamação do espólio de uma credora do município de São Paulo detentora de precatório originado pela desapropriação de um imóvel na década de 1990, para a ampliação da Avenida Faria Lima. Representada pelo advogado Carlos Roberto Deneszczuk Antonio, sócio da DASA – Deneszczuk, Antonio Sociedade de Advogados, ela pediu — e conseguiu — o sequestro de verbas municipais para obter, além do valor do imóvel, já pago, também o equivalente a juros moratórios e compensatórios sobre o montante.

No entanto, a Prefeitura entrou com a Reclamação 3.207 no Supremo, conseguindo liminar para suspender o sequestro. Como a Reclamação acabou sendo indeferida, a liminar também caiu.

Pedindo novamente o sequestro de verbas, o espólio da credora foi surpreendido pela decisão da Presidência do TJ-SP de não incluir o valor dos juros na conta, o que tornaria a interessada uma devedora. “A requisição a título de complementação de depósitos insuficientes somente deve referir-se a diferenças resultantes de erros materiais ou aritméticos ou de inexatidões dos cálculos dos precatórios, não podendo, como é cediço, sem afrontar a coisa julgada, alcançar o critério adotado para a elaboração do cálculo ou índice de atualização diverso dos que foram utilizados em primeira instância”, disse o TJ-SP na decisão administrativa aprovada pelo Órgão Especial do tribunal.

Mas, para os credores, a decisão administrativa fez justamente o que ressalvou não poder fazer: afrontou a coisa julgada, uma vez que eles já tinham obtido decisão favorável da corte para receber os juros. Por isso, protestaram contra a decisão no Supremo, por meio de Reclamação, em que alegaram descumprimento do que os ministros decidiram na ADI 1.098.

“O TJ entendeu que, ao se atualizar o valor para fazer os pagamentos, o recálculo resultava em quantia maior do que a devida. Com isso, como o sequestro já tinha sido feito, o credor virou devedor. Mas já havia sentença. O que eles fizeram foi voltar atrás em relação a ela”, explica o advogado Carlos Antonio. “Eles chegaram a anular todas as sentenças que tinham determinado sequestros no estado.”

O ministro Dias Toffoli herdou o processo do ministro Menezes Direito, antigo relator da ação, que morreu em 2009. Direito havia negado a liminar aos credores do precatório, por não encontrar ligação entre o pedido e o que havia sido julgado pelo STF em 1996. A Procuradoria-Geral da República opinou pela rejeição da Reclamação.

Toffoli, ao contrário de Menezes Direito, viu no julgamento da ADI 1.098 a solução para o caso. “Na ocasião, ficou assentado que a determinação do pagamento de precatório, consoante dispõe o artigo 100, parágrafo 2º, da Constituição da República, tem natureza meramente administrativa, devendo subordinar-se ao que fixado pelo juízo da execução, sob pena de ofensa à coisa julgada material”, disse.

Ele lembrou que o próprio presidente do TJ-SP ressalvou, em sua decisão, seu entendimento pessoal de que não teria poderes para, administrativamente, alterar o título executivo judicial constituído jurisdicionalmente. Mas ficou vencido no Órgão Especial. “O E. Órgão Especial, por maioria de votos, entende ser possível a flexibilização da coisa julgada, mesmo em atividade administrativa”, disse o chefe do Judiciário paulista.

“O trecho citado revela que, ao assim proceder, o presidente do Tribunal de Justiça, em ato de cunho administrativo, invadiu a competência do juízo da execução, alterando os parâmetros fixados na condenação, o que implica ofensa direta ao que decidido na ADI 1.098”, afirmou o ministro Toffoli ao deferir a Reclamação e cassar a decisão do TJ-SP.

Para o presidente da Comissão de Dívida Pública da OAB-SP, Flávio Brando, a decisão deve pôr fim à prática comum dos tribunais de todo o país de excluir dos precatórios os juros moratórios e compensatórios. “O precedente é importantíssimo porque manda que sejam respeitadas as decisões transitadas em julgado”, diz, referindo-se aos julgamentos de execução das indenizações.

De acordo com o advogado do caso, Carlos Antonio, o pagamento do precatório em questão deve chegar a de duas a três vezes o valor da indenização pela desapropriação, devido ao tempo decorrido. Ele estima que o valor seja liberado dentro de seis meses, tempo previsto para a efetivação do sequestro de verbas. A Prefeitura paulistana ainda pode recorrer.