Dia do Médico: uma homenagem ao pediatra a quem recorri durante cinquenta anos

    (*) Ucho Haddad –

    Cada um que ler este artigo está devidamente autorizado a rir. E não precisa ser escondido. Neste dia 18 de Outubro, quando se comemora o Dia do Médico, faço uma homenagem que ao longo de mais de cinquenta anos verbalizei sem cansar e com prazer. Durante exatos 53 anos fui ao pediatra. Eis a razão para que qualquer um gargalhe como e quanto quiser. Mesmo assim, estou certo de que minhas razões serão compreendidas.

    Homem de muitos defeitos – como a extensa maioria dos humanos –, cultivo poucas e fortes qualidades. Uma delas é o apego intransigente à fidelidade, até porque sou radicalmente contra a traição em todos os campos. Sem contar que na traição o primeiro e maior traído é o traidor. Como não concordo com a traição, incoerência seria trair a mim mesmo. Por isso mantenho forte relação de fidelidade com pessoas, coisas e situações.

    Desde as minhas primeiras horas fui atendido por um médico que de tão especial conseguiu deixar-me órfão ao despedir-se da vida. Refiro-me a Algis Waldemar Zuccas, o pediatra que cuidou da minha saúde até meados de 2011. A notícia de sua partida criou um enorme vazio, que até hoje sinto os reflexos de sua ausência. Dr. Zuccas, como era conhecido o meu pediatra, foi uma das minhas referências de vida. Participou da minha trajetória como se fosse um pai de plantão. Na verdade, sua fala mansa, segura e pausada é que dava confiança a cada um dos que atendeu em décadas de carreira. E a ele dediquei fidelidade na condição de paciente, porque ninguém sabia tanto da minha saúde quanto Zuccas.

    Zuccas acompanhou-me nos mais importantes momentos da vida, mesmo que à distância. Acolheu os meus filhos em seu consultório – que sempre esteve no mesmo lugar e do mesmo jeito – monitorou à distância um dos períodos em que a saúde me colocou diante da morte. De serenidade invejável, em diversas ocasiões encorajou-me enquanto passava por complexo tratamento médico. Sempre dizia que era preciso ter calma. Na verdade, Zuccas era a personificação da calma, do equilíbrio, da certeza.

    Dr. Zuccas permitiu, sem saber, que cultivasse minha essência de criança. O tempo passou rapidamente, mas cada vez que ia ao seu consultório era um misto de viagem no tempo e elixir da juventude. Afinal, recordava o passado e sentia-me criança, sem perder a responsabilidade jamais. O desânimo surgia quando sobre sua escrivaninha surgia a minha ficha médica. Com muitas páginas e amarelada por causa da ação do tempo, a tal ficha guardava a história da minha saúde.

    Na segunda metade dessas cinco décadas de convívio as minhas idas ao consultório do pediatra aumentaram, reflexo da profissão que escolhi e à qual me dedico como se fosse um receituário médico. Enquanto estive fora do Brasil, conversava com Dr. Zuccas por telefone. Pensem em alguém tratando de câncer linfático nos Estados Unidos e relatando o desenrolar das coisas ao pediatra no Brasil. Zuccas foi personagem importante e decisivo naquele momento de dificuldade e solidão. Tendo em mente a sua postura calma e certeira, além dos conselhos que me dava por telefone, é que consegui transpor uma das difíceis etapas da minha existência, até então.

    Ciente de que sempre tinha histórias políticas para contar, Dr. Zuccas preferia me receber em seu consultório no final do expediente. Assim tínhamos tempo para falar sobre política. As conversas eram tão boas, que muitas vezes o passar do tempo nos surpreendeu.

    Tive o privilégio de conviver com médicos que encaravam a profissão como uma função social, não como negócio, o que acontece nos dias atuais com frequência assustadora. Preocupado com o próximo, atendia a qualquer hora e não se furtava de dar ao paciente os remédios necessários. Com seu jaleco branco, levantava-se da cadeira com a costumeira calma e buscava o medicamento.

    Em uma das derradeiras vezes que estive no seu consultório não escapei das carraspanas de sempre. Vítima da pressão covarde que os donos do poder exercem nos bastidores, fui ao encontro do Dr. Zuccas possivelmente para curar alguma dor intangível. Em sua pequena sala deitei-me de novo na velha maca que em muitas ocasiões foi o meu porto seguro. Aparelho de pressão em punho, ele, com voz suave e calma, chama a secretária e pede um copo d’água. Ela volta com a água e Zuccas me dá um comprimido e diz: Tome! Você só sai daqui depois que sua pressão voltar ao normal.

    Vencida a luta contra a pressão naquele momento, surgiu a bronca. Justa e necessária, reconheço. Segui à risca suas recomendações, pois para enfrentar o inimigo é preciso ter a saúde em condições. O Brasil, ao contrário do dístico que ostenta a nossa bandeira, desaprendeu o que é desenvolvimento e tornou-se refém da desordem. O Brasil está doente, sem que haja um Dr. Zuccas para curá-lo. Criaram o ufanista programa “Mais Médicos”, quando na verdade o que precisamos é “Médicos Mais”.

    Que nesse dia 18 de Outubro cada um dos novos seguidores de Hipócrates, ao abraçar a carreira médica, procure sempre ater-se à realidade. Que seja exatamente aquilo que cada brasileiro necessita e espera. Que seja médico de fato, que seja médico de verdade, porque muitas vezes a dor não se resolve apenas com um receituário e uma caixa de remédio. Que seja Zuccas, que seja o meu pediatra de sempre. Eternamente obrigado, Dr. Zuccas, na esperança de que o seu exemplo se transforme em epidemia!

    (*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.