Entrevista do ex-marqueteiro João Santana reforça tese de que “Operação Esquema S” deve ser anulada

 
A participação do ex-marqueteiro João Santana no programa “Roda Viva”, levado ao ar na noite de segunda-feira (26) pela TV Cultura, foi um escárnio em termos de contradições, mas serviu para reforçar a defendida pelo UCHO.INFO de que o acordo de delação premiada é meio de prova, mas jamais a “bala de prata” capaz de embasar acusação ou condenação.

Em determinado trecho da entrevista, Santana disse que Lula e Dilma Rousseff são honestos, mas que mesmo assim os delatou para obter os benefícios previstos na Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, também conhecida como “Lei das Organizações Criminosas”.

“Não via desonestidade no sentido do uso pessoal. Era um uso de fundo eleitoral. É uma discussão complicadíssima. Mas em nenhum momento eu falei de Lula e Dilma como pessoas que fossem desonestas”, afirmou aos entrevistadores.

Santana, que por questões óbvias domina a arte de embrulhar uma farsa em papel de presente, disse que o uso de caixa 2 era quase generalizado (99,9%) e que o melhor seria o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apurarem essa forma criminosa de financiamento de campanhas eleitorais. Não obstante, em mais um rasgo de ironia, o ex-marqueteiro usou a palavra “hipócrita” para adjetivar o sistema de caixa 2 que continua imperando no País.

“Foi uma descida ao inferno. Conflitos afetivos e morais de toda natureza. Quando você confronta isso ao seu bem maior que é a vida, você revê isso e fica pequeno. Eu só tinha duas opções: corria risco de vida, tive câncer. Tinha que escolher entre a vida ou falar a verdade. Optei pela verdade sem retoques, mas também sem dramatizações, sem mentiras”, declarou.

Se o uso do caixa 2 era, como ainda é, prática comum na política nacional, Santana não poderia ter acusado Lula e Dilma de terem se valido desse esquema ilícito apenas para alcançar seus objetivos no escopo do inquérito e da ação penal. Homologada pelo STF, a delação de João Santana é passível de nulidade, pois no Roda Viva ele confessou ter mentido para obter os benefícios da delação premiada.

Em fevereiro de 2016, em entrevista concedida à revista da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (Caasp), o ex-presidente do STF, ministro aposentado Carlos Ayres Britto, falou sobre o status acessório da delação premiada. “É um elemento auxiliar, não central. A colaboração sozinha não pode servir para condenar ninguém, ela tem que se fazer acompanhar de elementos probatórios”.

Se por um lado a entrevista de João Santana ao “Roda Viva” representou um atentado ao bom-senso, por outro serviu para mostrar aos brasileiros que não se pode colocar a delação premiada no panteão das provas, pois esse instrumento jurídico, que o Brasil “importou” do Direito norte-americano, é mal utilizado por aqui e muitas vezes manipulado pelos acusadores, sempre movidos pelo punitivismo. O que não significa, de forma alguma, que o UCHO.INFO está a defender a complacência com corruptos.

 
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Sobre a eficácia da colaboração premiada, Ayres Britto ressaltou que a efetividade da delação decorre do fato de o ser humano ser mais sensível a recompensas do que a punições. O que explica as muitas e questionáveis delações que temos presenciado visto ao longo dos últimos anos.

Sobre esse tema (manipulação de delação), Ayres Britto foi além na mencionada entrevista e disparou: “[A delação] Corresponde à evolução do Direito Penal, que, entretanto, para ser saudado como juridicamente válido, é preciso que se compatibilize com as garantias constitucionais dos indivíduos”.

A entrevista do ex-marqueteiro petista e as declarações de Ayres Britto servem para resgatar a “Operação Esquema S”, deflagrada a partir de delação manipulada do ex-presidente da Fecomércio-RJ, Orlando Diniz, que em depoimento de colaboração premiada teve suas declarações direcionadas por representantes do Ministério Público Federal (MPF), cujo objetivo era “criminalizar” a advocacia brasileira.

A denúncia apresentada pelo MPF ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, tinha como justificativa a devolução de valores a partir dos honorários dos advogados contratados por Diniz para permanecer à frente da Fecomércio-RJ. Pelo que se sabe, não compete ao Ministério Público fixar ou limitar os valores cobrados por advogados, cujos honorários correspondem à respectiva competência e à capacidade de dirimir as questões apresentadas pelo contratante. NA verdade, ao MPF cabe a obrigação de apresentar provas irrefutáveis.

Quem assistiu ao vídeo do depoimento de colaboração premiada de Orlando Diniz não apenas sentiu vergonha, mas passou a se preocupar com a possibilidade de o Brasil, em curto espaço de tempo, ser devorado pela ditadura do denuncismo, apenas porque por trás dessas investidas há um projeto político obscuro e condenável. Além disso, Diniz aceitou passivamente a manipulação por conta do seu interesse em deixar a prisão.

Como mencionou Ayres Britto na entrevista de 2016, a delação “tem que se fazer acompanhar de elementos probatórios”. O MPF afirmou na denúncia, com base no depoimento manipulado de Orlando Diniz, que houve devolução de parte dos valores pagos aos advogados, em clara sugestão de crime de lavagem de dinheiro. Muitos dos investigados receberam os valores cobrados mediante a emissão de nota fiscal de serviços, o que exige o pagamento de impostos, sem que a aludida devolução de recursos tensa sido comprovada pelo MPF. E não se pode aceitar uma denúncia que surge à sombra do “achismo”.

Ademais, alguns dos investigados na “Operação Esquema S” deixaram de receber parte dos honorários, enquanto outros desistiram dos contratos com a Fecomércio-RJ ou jamais tiveram relação profissional com a entidade. Em suma, a operação em questão é uma ode ao absurdo jurídico e ao desrespeito à lei.

As declarações de João Santana, a delação de Orlando Diniz e o entendimento preciso do jurista Ayres Britto são motivos mais do que suficientes para que a decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, de suspender os efeitos da “Operação Sistema S”, migre para o campo da anulação da investigação como um todo, que não passou de obra de achismo temperada com os condimentos do revanchismo torpe.

O UCHO.INFO volta a afirmar que não coaduna com o desmando e o ilícito, apenas cobra o estrito cumprimento da lei por parte das autoridades, a começar por aquelas investidas do poder de denunciar, julgar e condenar. Afinal, o Brasil ainda existe sob o manto do Estado Democrático de Direito.

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