Se provas sobre o “quadrilhão do PP” são frágeis, como decidiu o STF, delações de Youssef devem ser revistas

     
    A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (2), por 3 votos a 2, arquivar a denúncia de organização criminosa apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) e outros parlamentares no caso conhecido como “quadrilhão do PP”. O resultado configura mais uma derrota da Operação Lava-Jato no STF.

    A decisão da Segunda Turma também beneficia os deputados federais Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB) e Eduardo da Fonte (Progressistas-PE) e o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), todos investigados no âmbito de inquérito que apura desvios de recursos na Petrobras.

    Na votação, o ministro Kassio Nunes Marques, cuja indicação à Corte foi apadrinhada por Ciro Nogueira, novamente juntou-se a Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, destacados representantes da ala do STF mais crítica aos métodos de investigação da Lava-Jato. Os três magistrados impuseram nova derrota ao ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo.

    “A acusação formulada pela PGR concentra-se em fatos investigados em outros inquéritos. Todos os fatos investigados já foram arquivados pela própria PGR ou rejeitados nesta Corte”, disse o ministro Gilmar Mendes, ao ressaltar a fragilidade das provas usadas na acusação. O magistrado afirmou que as provas foram produzidas a partir de versões de delatores e “recicladas” de outras investigações devidamente arquivadas.

    “No caso em questão, salta aos olhos a engenhosa artificialidade da acusação, já que não há nenhuma razão que sustente a persistência da organização criminosa até a data do protocolo da denúncia.”

    “As recentes revelações de diálogos, quer lícitos ou não, sugerem que a apresentação da denúncia nos presentes autos era tão somente um ‘pé de apoio’ para um projeto político próprio do Ministério Público que perpassava justamente essa estratégia de deslegitimação do establishment partidário para, talvez no futuro, apresentar-se como solução: instaurar o caos para afiançar a moralidade”, afirmou Gilmar Mendes em voto de 46 páginas.

    Na denúncia, Arthur Lira é acusado de receber R$ 1,6 milhão de propina paga pela Construtora Queiroz Galvão e de ser beneficiado com R$ 2,6 milhões de vantagens indevidas por meio de doações eleitorais “oficiais” realizadas pela UTC Engenharia.

     
    A denúncia do “quadrilhão do PP” foi apresentada em setembro de 2017 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em junho de 2019, a acusação contra Lira e os outros parlamentares do PP, rebatizado como Progressistas, por organização criminosa foi recebida pela Segunda Turma do STF também por placar apertado (3 a 2). Na ocasião, Gilmar e Lewandowski votaram contra o recebimento da denúncia, enquanto na outra ponta os ministros Fachin, Cármen Lúcia e Celso de Mello (aposentado compulsoriamente) formaram maioria para o recebimento da acusação e a consequente abertura de ação penal.

    Responsáveis pela defesa de Arthur Lira, os criminalistas Pierpaolo Bottini e Marcio Palma afirmaram que a decisão da Segunda Turma reconheceu “que é preciso cuidado com a delação premiada”.

    “Embora seja um importante instrumento de prova, só deve valer quando coerente e corroborada por provas. No caso, as declarações de Alberto Youssef, notório desafeto de Artur Lira, eram contraditórias e inverídicas, e por isso não tinham condições de sustentar uma acusação. É a terceira denúncia com base nas declarações do doleiro rejeitada pela Suprema Corte”, afirmou a defesa do presidente da Câmara.

    Se a Segunda Turma entende que as provas apresentadas na denúncia no “quadrilhão do PP” são frágeis, é preciso rever os acordos de colaboração premiada do doleiro Alberto Youssef, que teve a pena reduzida na esteira de informações que agora se mostram fantasiosas ou impossíveis de serem comprovadas. Até porque, não se pode, de um lado, fingir que a delação é válida, enquanto do outro a colaboração premiada é rejeitada. Sendo assim, que as benesses concedidas a Youssef sejam reavaliadas.

    Em dezembro de 2020, a 5ª Turma do Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, em julgamento envolvendo a Queiroz Galvão, entendeu não ser possível prosseguir com a ação penal, considerando que a Lei Anticrime (Lei nº 13.964, de 2019) proíbe a aplicação de medidas cautelares, recebimento de denúncias e queixas-crime, além de sentenças condenatórias proferidas com base apenas em delação premiada.

    “O instituto da colaboração premiada é um instrumento eficiente para a obtenção de dados e subsídios informativos acerca de condutas criminosas, sendo vedada a condenação com base exclusivamente nos elementos constantes na delação”, afirmou em seu voto o desembargador Paulo Gustavo Guedes Fontes, relator do Habeas Corpus.

    “Com o advento do pacote anticrime”, continuou o magistrado, “foi positivada também a disposição de que a denúncia não pode ser recebida tendo como fundamento somente as palavras do colaborador”.

    Resumindo, a colaboração premiada é um reconhecido meio de prova, mas está a anos-luz de ser prova propriamente dita, a ponto de as autoridades apresentarem denúncias com base em declarações que não são passíveis de comprovação. Isso contraria um dos pilares da colaboração premiada, já que o delator, ao decidir colaborar com a Justiça, assumir o compromisso de revelar apenas o que pode resultar em elementos de prova. Assim não fazendo, o acordo de colaboração pode ser anulado, como prevê a legislação.

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