Em depoimento na Câmara dos Deputados, Paulo Guedes defende offshore e nega conflito de interesses

     
    O ministro Paulo Guedes (Economia) admitiu na terça-feira (23) ter usado sua empresa offshore nas Ilhas Virgens Britânicas para driblar impostos cobrados nos Estados Unidos.

    Em depoimento à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, ele disse que a empresa chamada Dreadnoughts é totalmente legal. Entretanto, a prática de driblar impostos através de offshores faz com que a taxação de tributos seja evitada também no Brasil.

    Documentos revelados por diversos veículos de imprensa no início de outubro – o “Pandora Papers” – lançaram luz sobre uso de paraísos fiscais por políticos e empresários para escapar de impostos e ocultar riqueza.

    O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) que analisou centenas de documentos em parceria com 149 veículos de comunicação, revelou que cerca de 2 mil brasileiros são sócios de empresas abertas em paraísos fiscais. Entre eles, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, empresários bolsonaristas investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o financiamento de redes de disseminação de notícias falsas, como Luciano Hang e Otávio Fakhoury, além de Guedes, sua esposa e filha.

    O ministro, que chefia a pasta à qual está subordinada a Receita Federal, responsável pela arrecadação de tributos e atuações fiscais, admitiu que abriu a Dreadnoughts em 2014. De acordo com reportagens, a offshore tinha patrimônio de 8,5 milhões de dólares (R$ 48 milhões) e segue ativa. Os recursos repassados à empresa, segundo Guedes, seriam destinados a investimentos em ações nos Estados Unidos.

    Offshore garante herança livre de impostos

    O envio dos recursos à empresa foi feito entre 2014 e 2015, afirmou o ministro. Ele disse que seguiu a recomendação de conselheiros, como uma forma de evitar impostos nos EUA no caso de sua morte.

    “Se você tiver uma ação no nome da pessoa física e falecer, 46% é expropriado pelo governo americano”, disse aos deputados, para justificar a abertura da empresa. “Então, se você usar offshore, você pode fazer esse investimento. Se você morrer, em vez de ir para o governo americano, vai para a sucessão.” O ministro confirmou ter se desligado da offshore, mas disse que seus familiares continuam associados à empresa.

    As leis americanas taxam em quase 50% os recursos de pessoas físicas repassados a herdeiros. Já no Brasil, a cobrança do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) pode ser de até 8%.

    Ter empresas offshores é permitido pela legislação brasileira, desde que elas sejam declaradas à Receita Federal e, caso o patrimônio delas supere US$ 1 milhão, também ao Banco Central. Em geral, as empresas são registradas em paraísos fiscais como as Ilhas Virgens Britânicas e o Panamá por escritórios especializados em oferecer esse serviço, e não precisam recolher impostos a esses países nem são alvo de auditoria contábil. As contas dessas empresas, porém, ficam em bancos de nações mais estáveis, como na Suíça.

    Especialistas acreditam que esses investimentos alimentam a desigualdade no mundo ao redirecionar recursos que poderiam ser usados para outras finalidades.

    A revelação sobre a offshore de Guedes teve grande repercussão em Brasília. Deputados e senadores de diversos partidos apontaram possível conflito de interesse na manutenção de uma offshore ativa pelo ministro.

    Conflito de interesses

    O possível conflito de interesses se dá pelo fato de Paulo Guedes ter participado, como ministro, de decisões que afetam as empresas offshore.

    Segundo o artigo 5º da Lei do Conflito de Interesses, o ocupante de cargo federal está impedido de agir “em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão”.

     
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    Guedes tomou decisões associadas às offshores no Conselho Monetário Nacional (CMN), que afrouxou a exigência de declaração dos recursos no exterior às autoridades. Ele disse que isso não o afetou porque o patrimônio dele na empresa supera os novos limites estabelecidos.

    O CMN também ampliou possibilidades de investimentos de offshores, decisão da qual Guedes também participou. O ministro tem um dos três votos no CMN; os outros dois são se um de seus subordinados e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que também possui duas empresas offshores citadas no “Pandora Papers”.

    “Mil vezes não”

    Guedes também admitiu não ter declarado à Comissão de Ética da Presidência da República informações sobre o envolvimento de seus parentes na offshore. Ele afirmou que isso não seria exigido pela chamada Declaração Confidencial de Informações (DCI). Ele chamou de “covardia” e “narrativa política” as acusações de que teria omitido essas informações.

    O ministro alegou que em relação à DCI o questionamento é se “o declarante possui cônjuge ou parente até terceiro grau que atue em área ou matéria afins à competência profissional ou cargo que exerço como ministro. A resposta é não. Não, não e não”, afirmou. “Existe algum conflito de interesse? A resposta é não e será mil vezes não.”

    Ele argumentou que essa informação já consta no registro da empresa, e que declarar á DCI o envolvimento de sua mulher ou sua filha seria uma “obviedade”

    Comissão de Ética da Presidência relatou que, após analisar a DCI do ministro, fez recomendações para mitigar e evitar conflitos de interesses, mas não especificou quais seriam estas.

    O Código de Conduta da Alta Administração Federal é claro ao tratar do tema no artigo 5º.

    “Artigo 5º – parágrafo 1º – É vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo, excetuadas aplicações em modalidades de investimento que a CEP venha a especificar”.

    Sensacionalismo jornalístico

    Como afirmamos em matérias anteriores, a propriedade de uma offshore não caracteriza ilegalidade, desde que atendido o que preceitua as leis sobre o assunto. O fato de a empresa de Guedes e sua família não deve ser objeto de sensacionalismo midiático, praticado por profissionais de imprensa que vivem de criar polêmicas e lançar dúvidas e inverdades sobre a opinião pública.

    A offshore da família de Paulo Guedes abriga, segundo o “Pandora Papers”, US$ 8 milhões, valor que não pode ser convertido em real para especulações torpes por parte da mídia. Sabe os leitores que o UCHO.INFO não tem político de estimação nem corrupto predileto, mas defende a verdade e o respeito à legislação vigente no País.

    O ministro não pode ser acusado de lucrar com a offshore a cada valorização do dólar frente ao real, fruto de uma política econômica desastrada que leva o mercado de câmbio a reagir diante de um amontoado de incertezas. Paulo Guedes deve ser cobrado pelo desarranjo persistente da economia brasileira, não por ser dono de empresa em paraíso fiscal. (Com agências de notícias)

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