Líder do governo na Câmara dos Deputados, o paranaense Ricardo Barros (PP), quando calado, é um respeitável poeta. Como político, Barros é um dos sustentáculos do chamado “Centrão”, o que há de pior no Parlamento brasileiro e que vem abocanhando nacos do governo de Jair Bolsonaro em troca de apoio que beira o proxenetismo.
Inspirado pelo resultado do plebiscito chileno, realizado no domingo (25) e cujas urnas revelaram o desejo da extensa maioria da população do país sul-americano por uma nova Constituição – a atual remonta ao tempo da ditadura sanguinária de Augusto Pinochet –, o líder do governo Bolsonaro surgiu em cena nesta segunda-feira para dizer que o Brasil precisa de uma nova Carta Magna, pois a vigente, segundo o parlamentar, privilegia a ingovernabilidade.
“Eu pessoalmente defendo nova assembleia nacional constituinte, acho que devemos fazer um plebiscito, como fez o Chile, para que possamos refazer a Carta Magna e escrever muitas vezes nela a palavra deveres, porque a nossa carta só tem direitos e é preciso que o cidadão tenha deveres com a Nação”, disse Barros.
A proposta do líder do governo foi feita durante um evento virtual – “Um dia pela democracia” – promovido pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConsult). Em outras palavras, Ricardo Barros é o que a sabedoria popular classifica como “raposa no galinheiro”, uma vez que tal sugestão em evento sobre Direito Constitucional é devaneio elevado à última potência.
Oportunista conhecido nos subterrâneos da política nacional e sempre fazendo do mandato eletivo um meio de vida – talvez um negócio lucrativo –, Ricardo Barros, que vem insuflando o escambo com o Palácio do Planalto, agora age como ponta de lança de um presidente que flerta diuturnamente com o autoritarismo e o retrocesso. E uma nova Carta é tudo o que Bolsonaro precisa para levar o Brasil de volta ao autoritarismo.
No melhor estilo sabujo de plantão, Barros presta-se ao pífio papel de ser porta-voz do Centrão, que coleciona interesses escusos dos mais variados, mas acaba servindo de balão de ensaio para o projeto de “cavalo de pau” na democracia brasileira que Bolsonaro guarda na gaveta da escrivaninha presidencial.
Diante da repercussão negativa da absurda sugestão de Ricardo Barros, o núcleo duro do governo se apressou em afirmar que a declaração do líder não teve aval palaciano. Ou seja, assistiram a tudo calado, mas consumado o desastre dizem que nada têm a ver com o destampatório.
A Constituição Federal de 1988 precisa de ajustes, os quais têm ocorrido ao longo dos anos, mas foi o texto constitucional vigente que garantiu a retomada efetiva da democracia e o amadurecimento de uma sociedade livre. Além disso, a Constituição atual permitiu ao País atravessar momentos de crise, como, por exemplo, dois processos de impeachment e escândalos de corrupção protagonizados por partidos políticos de dos mais distintos matizes ideológicos. Além disso, a Carta estabeleceu pontos importantes, como os direitos e garantias do cidadão.
Ao aproveitar o plebiscito chileno para propor algo tão estapafúrdio, Ricardo Barros mostra desconhecer a história do país vizinho, ao mesmo tempo em que revela seu desejo de colocar o Brasil na contramão da democracia e do Estado de Direito, proporcionando às futuras gerações um panorama de incertezas.
Em vez de se dedicar às bizarrices discursivas, muitas deles eivadas de interesses bisonhos, Ricardo Barros deveria destinar parte do tempo para explicar aos brasileiros de bem os meandros do escândalo que marcou a compra do medicamento L-Asparaginase, usado no tratamento da Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA). O caso foi denunciado com exclusividade pelo UCHO.INFO em 2017 e irritou profundamente o então ministro da Saúde.
Enquanto titular da Saúde no governo Temer, Barros aceitou comprar L-Asparaginase de um laboratório paraguaio, que por sua vez adquiria o produto na China. O caso é tão escandaloso, que o laboratório uruguaio funcionava no Brasil em um escritório de contabilidade localizado na Grande São Paulo, cujos donos ameaçaram o editor deste noticioso. Confira as reportagens ao final desta matéria.
Políticos, autoridades, juristas e membros do Judiciário e do Ministério Público criticaram a fala de Ricardo Barros, como era esperado. O UCHO.INFO abordou em diversas ocasiões a necessidade de uma nova Constituição como forma de descontruir o discurso interesseiro e trôpego dos que defendem a prisão após condenação em segunda instância.
Como a nossa Carta, em seu artigo 5º (cláusula pétrea), inciso LVII, estabelece que “ninguém será considerado culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, somente uma nova Constituição seria capaz de acabar com a presunção de inocência e dar nova redação e entendimento ao texto em questão. Em suma, Ricardo Barros perdeu a oportunidade de ficar calado e mostrar ao mundo que em silêncio é um poeta de mão cheia.
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