Movida por cipoal de coincidências, coleta de lixo no DF exala o olor fétido dos subterrâneos do poder

 
Ultrapassado o primeiro momento após a tentativa de golpe, que levou o governador do Distrito Federal ao afastamento do cargo por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, Ibaneis Rocha (MDB) submergiu na cena política. Tem cumprido as obrigações do cargo, mas longe da pirotecnia oficial.

Em matéria anterior, publicada no dia 25 de abril, afirmamos que contratos envolvendo a coleta de lixo do DF têm potencial para se transformar em problema para Ibaneis, uma vez que secretários do GDF cultivam alguma conexão com as empresas que gravitam na órbita do Serviço de Limpeza Urbana (SLU). O governador Ibaneis deveria deixar de lado as conexões políticas e dispensar atenção ao tema, antes que seja tarde.

Chefe da Casa Civil do GDF, o advogado Gustavo do Vale Rocha aparece em uma das pontas do iceberg do lixo da capital dos brasileiros, como já noticiamos. Rocha é casado com a também advogada Marcela Meira Passamani, que desde a gestão anterior de Ibaneis está à frente da Secretaria de Justiça e Cidadania do DF e é sócia do marido no escritório “Vale Rocha Advogados Associados” (nome fantasia), com sede na concorrida região do Lago Sul, em Brasília.

Em 2022, Passamani ensaiou uma candidatura à Câmara dos Deputados, mas o plano fracassou por causa de articulações políticas não consistentes. Antes desse projeto, a secretária de Justiça do DF teve o nome cogitado como eventual candidata a vice na chapa de Ibaneis Rocha, reeleito no ano passado. A investida também não logrou êxito, sendo que a escolhida para fazer par com Ibaneis foi Celina Leão, do PP.

Na proa do imbróglio está a empresa Sustentare Saneamento, que tem contrato com o GDF no valor de R$ 455 milhões anuais, para realizar a coleta de lixo em Brazlândia, Samambaia, Ceilândia e Taguatinga. Além da Sustentare, outras duas empresas fazem coleta de lixo no DF: Valor Ambiental e Consita.

Em maio de 2022, a Sustentare foi condenada pelo juiz substituto da 5ª Vara da Fazenda Pública do DF a devolver aos cofres públicos valor referente a sobrepreço, uma vez que processo licitatório a empresa Cavo apresentou proposta com valor menor, mas acabou desqualificada por suposta inaptidão técnica. O Juízo decidiu pela nulidade da exigência feita no âmbito da licitação emergencial.

Irmão camarada

Em março de 2020, o escritório “Vale Rocha Advogados” acolheu um novo sócio, o advogado Engels Augusto Muniz, que na base de dados da Receita Federal aparece como administrador da sociedade advocatícia, como pode ser conferido na imagem abaixo.

Apesar de figurar como administrador da “Vale Rocha Advogados”, Engels registrou no mesmo endereço (Q SHIS QL 14 Conjunto 2) a “Engels Augusto Muniz Sociedade Individual de Advocacia”, de acordo com a base de dados da Receita Federal.

O interesse de Engels Muniz em relação às questões envolvendo a coleta de lixo remonta a 2014 (antes do primeiro governo Ibaneis), quando o nome Gustavo do Vale Rocha também aparecia em processo tramitou no Tribunal de Contas do Distrito Federal (imagem abaixo).

Como sempre afirmamos, se a política é seara inóspita para a coerência, por certo é terreno fértil para as coincidências, assim como para compadrios e conexões nebulosas. Administrador do escritório de advocacia do chefe da Casa Civil do DF, o também advogado Engels Muniz integra o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), na vaga que cabe ao Senado Federal. Em novembro de 2022, o plenário do Senado aprovou, por 59 votos a favor, a recondução Engels ao CNMP por mais dois anos.

Em 2020, a primeira indicação de Engels Muniz ao CNMP coube ao senador Eduardo Braga (MDB-AM), que na ocasião (2020) defendeu o “notório saber jurídico” do advogado. Contudo, a indicação contou com a interferência de Gustavo do Vale Rocha, à época ministro dos Direitos Humanos no governo de Michel Temer. Coincidência ou não, Engels foi secretário-executivo de Vale Rocha.

Sabem os leitores que o UCHO.INFO é defensor do princípio da presunção da inocência – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF, artigo 5º, inciso LVII) –, mas de igual modo somos entusiastas do dito popular que marcou o Império Romano e tinha na alça de mira Pompeia Sula, segunda esposa do imperador Júlio César: “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

É importante ressaltar que não estamos colocando em xeque a honestidade de qualquer um dos citados na matéria, mas no âmbito da coisa pública qualquer fumaça pode levar ao foco do incêndio.

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Calculadora turbinada

Em 2017, quando integrava o conselho da CorreiosPar (Correios Participações S/A), subsidiária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), Engels Muniz fez virar no esquife o homônimo famoso – Friederich Engels, cofundador do marxismo – ao ser apontado como um dos responsáveis por prejuízo de R$ 10,9 milhões (valor da época) ao braço da estatal.

Relatório de investigação preliminar da Corregedoria dos Correios, que identificou o prejuízo em meio à contratação da empresa Accenture por 44 milhões, valor quatro vez maior do que o montante correto.

Engels Muniz e outros seis ex-conselheiros da extinta CorreiosPar, incluindo Guilherme Campos, ex-presidente da estatal, aprovaram a contratação da Accenture por inexigibilidade de licitação, sendo que a empresa prestaria serviços em quatros setores distintos dos Correios: transporte e logística, serviços financeiros, serviços para o governo e serviços digitais.

Criada em 2014 com o objetivo de constituir e gerir parcerias societárias estratégicas para a ECT, a CorreiosPar foi extinta em 2019, à sombra de dívidas que à época somavam R$ 21,7 milhões. No relatório da Corregedoria dos Correios, um trecho chama a atenção: “O ex-conselheiro, Engels Augusto Muniz, que, à época dos fatos, atuava como Conselheiro de administração da CorreiosPar, de forma livre e consciente, faltou com o seu dever de lealdade para com o grupo Correios”.

As coincidências na vida de Engels Muniz não param por aí. Atualmente, o advogado, que administra o escritório “Vale Rocha Advogados”, é membro do Conselho Fiscal do Banco Regional de Brasília (imagem abaixo), o BRB, o mesmo que financiou com juro camarada a mansão que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) adquiriu na capital federal.


 

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